quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Fragmentos da Minha Vida"


Entrei na escola, aos sete anos, em 1966.Apesar de ser fruto de uma família muito simples, em minha casa sempre houve muito diálogo. Não no sentido democrático da palavra, mas no que se refere a informações e " conselhos" que meus pais nos davam. Minha mãe sempre no fogão ou no tanque lavando roupa e eu pequenina, ali por perto, assimilando o que ela me falava. A escola seria para mim a segunda comunidade em que conviveria. Minha mãe sempre atenta e carinhosa, me passava as regras desse meu novo convívio.----Você não poderá ficar andando pela classe, terá que ser obediente e carinhosa com sua professora e coleguinhas, terá que cuidar de seu material, fazer suas tarefas, e quando a professora chamar seu nome todos os dias , responderá presente! ----Presente, como assim? Por mais que minha mãe explicasse, e não entendia o sentido da palavra. Pensava em um pacotinho embrulhado, e demorou muito para que adquirisse esse conhecimento.Bem, o dia mais esperado chegou. Eu cheia de expectativa e curiosidade, fui levada pelas mãos de minha mãe para a escola, e para surpresa minha, ela não podia me acompanhar até a sala de aula, mas a ansiedade por conhecer a escola era muito grande, me despedi dela com tristeza depois de ter prometido me buscar na saída.Era tudo mágico: a professora, Dona Marília, as coisas que ela desenhava no quadro, as coisas que ensinava,o cheiro do material novo, aquele monte de coleguinhas agitados. Enfim, tudo ali era supreendente para uma menininha tímida e desconfiada. Quando Dona Marilia chamou meu nome entre outros de meus coleguinhas, lembrei-me com saudade da minha mãezinha.Alguns meses se passaram, e meu gosto pela escola aumentava. Um dia, senti que meu dentinho da frente se soltou, fui até a professora que me encaminhou para o dentista (naquela época existia tratamento dentário nas escolas públicas). Eu já o conhecia, pois durante o recreio ele sempre estava presente, dava dinheiro para que as meninas bonitinhas se sentassem em seu colo.
Comigo isso não aconteceu, talvez por ser bem retraída ou fosse feinha para ele, graças a Deus. Mas voltando ao dentinho, Seu Franco, me aplicou uma anestesia e arrancou meus dois dentinhos da frente, o mole e o duro!!! Na saída, seguindo para minha casa acompanhada pela minha mãe, não respondia a nenhuma pergunta para que ela não visse a janela enorme que ficou em minha boca, o que foi inevitável logo depois. A escola era rodeada de cerca quadriculada de arame, onde podíamos ver tudo que se passava na rua.Numa tarde ensolarada, durante o recreio, ainda na primeira série, estava com algumas coleguinhas bem próximas da cerca, quando vimos passar um enterro (naquela época o cortejo seguia a pé). O caixão era roxo e quatro pessoas o carregavam. Foi o que bastou, aprontei um escândalo, e tiveram que me levar em casa. No meu infanto entendimento, aquele cortejo levava minha mãezinha morta! Como poderia, ela me esperou sair para morrer? Chorei muito!Depois de muito custo a diretora, Dona Meire, permitiu que me levassem em casa para constatar que aquela pessoa que estava no caixão não era minha doce mãe.Dona Meire disse:-----Vão levar você, mas a trarão de volta! E, quem disse que conseguiram? Agarrei-me na saia de minha mãe, e ninguém teve coragem de nos separar!Coisa boa, mas boa mesmo, era um prato que serviam na merenda. Uma sopa muito bem temperada e quentinha de uns grãos verdes meio amarronzado. Nunca soube o que era. Só sei que seu sabor era inesquecível! Guardei-o na minha memória palativa para sempre. Porém, só depois de bem moça, por curiosidade, peguei uma receita de sopa de lentilha ( que nao conhecíamos em casa) e me propus a fazê-la. Foi um deleite total! Tudo veio a tona: sabor, cheiro e lembranças! Um encontro com a minha infância! Era de lentilha a sopa que tomava na escola e não sabia! Lentilha! Hoje esse cardápio é efetivo em nossa casa no inverno!
Bem, esses são alguns fragmentos da minha longa hístória, pedacinhos que guardo em uma gaveta especial da minha memória, onde nem o tempo e nem ninguém poderão apagá-los, ainda porque, se a idade por ventura traiçoeiramente tentar roubá-los de mim, os enconderei no meu mais profundo inconsciente!
(minha autoria)

2 comentários:

Adelaide disse...

Amiga
Ao ler este tocante fragmento, pensei: a gente cresce, amadurece, vai envelhecendo, e a menina continua dentro da gente.
Muito obrigada!

Anônimo disse...

Lestra, os fragmentos da sua infância me emocionam, mesmo que eu me lembre bem pouco dos meus...
Voltei no tempo...até lembrei de alguns...
Lindo o que escreve, Mãza...
Continue...
Beijos.